Atenção Primária à Saúde: Um conceito ampliado de saúde
UM
CONCEITO “AMPLIADO” DE SAÚDE:
ATENÇÃO
PRIMÁRIA À SAÚDE E A ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA – UMA PROPOSTA DE
RE(ORGANIZAÇÃO) DOS SERVIÇOS DE SAÚDE
Parte
I
As três últimas décadas foram marcadas por intensas transformações no
sistema de saúde brasileiro, intimamente relacionadas com as mudanças ocorridas
no âmbito político-institucional e organizacional dos modelos de atenção à
saúde.
A história da (re)organização de serviços e sistemas de saúde
orientados pelos princípios da Atenção Primária à Saúde (APS) é marcada por uma
trajetória de sucessivas reconstruções até se consolidar como uma política de
reforma, “uma estratégia de guerra”, uma alternativa diante da “crise” dos
sistemas de saúde contemporâneos.
Durante a Conferência Internacional de Saúde em Alma-Ata, que culminou
com a Declaração de Alma-Ata, organizada pela Organização Mundial de Saúde em
1978, na antiga União Soviética, a saúde foi reconhecida como direito
fundamental das pessoas e comunidades, firmando o acesso universal e
igualitário aos serviços de saúde e a intersetorialidade das ações, ficando assim,
evidenciada a Atenção Primária à Saúde como estratégia de reorganização dos
serviços de saúde. O lema Saúde para Todos no ano 2000 foi o início das
discussões, o qual seria alcançado pelo desenvolvimento da APS e seus
princípios em todos os países do mundo.
A APS foi definida então como “atenção essencial
à saúde baseada em tecnologia e métodos práticos, cientificamente comprovados e
socialmente aceitos, tornados universalmente acessíveis a indivíduos e famílias
na comunidade, a um custo que tanto a comunidade quanto o país possa arcar em
cada estágio de seu desenvolvimento. É parte integral do sistema de saúde do
país, do qual é função central, sendo o enfoque principal do desenvolvimento
social e econômico global da comunidade. É o primeiro nível de contato dos
indivíduos, da família e da comunidade com o sistema nacional de saúde, levando
a atenção à saúde o mais próximo possível do local onde as pessoas vivem e
trabalham, constituindo o primeiro elemento de um processo de atenção
continuada à saúde” (apud STARFIELD, 1998).
A mesma autora define os princípios da APS em quatro atributos
essenciais (primeiro contato, integralidade, longitudinalidade e coordenação),
mais três derivados (orientação familiar, orientação comunitária e competência
cultural).
Assim, a APS deve ser o primeiro contato
preferencial das pessoas com o sistema de saúde, sem restrição de acesso às
mesmas, independente de gênero, condições socioculturais e problemas de saúde;
com abrangência e integralidade das ações individuais e coletivas; e
continuidade (longitudinalidade) e coordenação do cuidado ao longo do tempo,
tanto no plano individual, quanto no coletivo, mesmo quando houver necessidade
de referenciamento das pessoas para outros níveis e equipamentos de atenção do
sistema de saúde. Deve ser praticada e orientada para o contexto familiar e
comunitário, entendidos em sua estrutura e conjuntura socioeconômica e cultural
(STARFIELD, 1998; 2005).
No Brasil, o marco da re(organização) do sistema de saúde, foi iniciado
com a VIII Conferência Nacional de Saúde.
A VIII Conferência de Saúde, realizada em 1986, foi um dos
principais momentos da luta pela universalização do acesso a saúde no Brasil, e
contou com a participação de diferentes atores sociais implicados na
transformação dos serviços de saúde. O conjunto dessas forças impulsionou a
reforma sanitária brasileira, que obteve sua maior legitimação com a
promulgação da Constituição Federal de 1988. Segundo LUZ (2000: 302) “a intensa
movimentação da sociedade civil teve um papel muito importante para a
aceitação, na política oficial, das propostas da VIII Conferência Nacional de
Saúde, em grande parte consubstanciadas no SUS”. Esse marco representou uma
ruptura inédita com a história anterior das políticas sociais brasileiras, ao
garantir o acesso universal à saúde como direito social do cidadão.
UM
CONCEITO “AMPLIADO” DE SAÚDE:
ATENÇÃO
PRIMÁRIA À SAÚDE E A ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA – UMA PROPOSTA DE
RE(ORGANIZAÇÃO) DOS SERVIÇOS DE SAÚDE
Parte
II
O Brasil tem um dos maiores sistemas público de
saúde do mundo. O SUS está amparado por um conceito ampliado de saúde, em que a
universalidade do atendimento rompeu com a lógica adotada em outros países.
Criado em 1988, pela Constituição Federal, para
ser o sistema de saúde de todos os brasileiros, o SUS surgiu com a finalidade
de alterar a situação de desigualdade na assistência à saúde da população.
No Brasil, APS representa um conjunto
de ações voltadas para o âmbito individual e coletivo, que abranjam a promoção
e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento e a
reabilitação. Essas ações devem ser desenvolvidas por meio de práticas
gerenciais, sanitárias, democráticas, participativas e do trabalho em equipe
que devem ser dirigidas à população de um território bem delimitado. As equipes
assumem responsabilidade sanitária no território e consideram a dinamicidade
existente no contexto, o sujeito em sua singularidade, complexidade,
integralidade e inserção sócio-cultural.
Logo, configura-se como o primeiro e
preferencial contato dos usuários com os sistemas de saúde, sendo orientada
pelos princípios da universalidade, acessibilidade, coordenação, vínculo,
continuidade, integralidade, responsabilização, humanização, equidade e
participação social, segundo o marco legal do SUS.
O Brasil adotou o Programa de Saúde da
Família - PSF (1994) como estratégias para contribuir na construção de um novo
modelo de atenção integral à saúde das famílias.
A Estratégia
Saúde da Família (ESF) é uma das propostas do Ministério da Saúde para a
reorganização da Atenção Primária, podendo ser considerada uma alternativa de
ação para o alcance dos objetivos de universalização, equidade e integralidade.
A organização dos serviços de saúde da Atenção Primária por meio da
ESF prioriza ações de promoção, proteção e recuperação de saúde, de forma
integral e continuada. Em expansão por todo o território nacional, a ESF
define-se por um conjunto de ações e serviços que vão além da assistência
médica, estruturando-se com base no reconhecimento das necessidades da
população, apreendidas a partir do estabelecimento de vínculos entre os
usuários dos serviços e os profissionais de saúde, em contato permanente com o
território.
A ESF propõe que a atenção à saúde centre-se na família, entendida e
percebida a partir de seu ambiente físico e social, o que leva os profissionais
de saúde a entrar em contato com as condições de vida e saúde das populações,
permitindo-lhes uma compreensão ampliada do processo saúde-doença e da
necessidade de intervenções que vão além das práticas curativas. Para tanto, os
profissionais que nela atuam deverão dispor de um arsenal de recursos
tecnológicos bastante diversificados e complexos.
Ao considerar a família como objeto de atenção, a ESF está
contemplando dois atributos derivados da APS: a orientação familiar/comunitária
e a competência cultural, que pressupõem o reconhecimento das necessidades
familiares em função do contexto físico, econômico e cultural.
A efetividade da política de saúde não depende apenas
das diretrizes que emanam do arcabouço jurídico-institucional, mas será
garantida com a reafirmação contundente de um sistema público de saúde
socialmente superior ao modelo liberal ou médico tradicional, que somente a
luta constante dos movimentos sociais pelo direito à saúde pode garantir.